sexta-feira, 11 de julho de 2008

Digressões sobre um não-lugar

João Batista
Uma dúvida evapora-se à mente, vinda de um lugar obscuro e desconhecido: um reino de incertezas, certamente. Onde fica, afinal, o beleléu?
Será que é lá na puta-que-pariu? Na casa do caralho? Onde o Judas perdeu as botas? Lá na caixa-prego? Perto do quinto dos inferno? Seriam diferentes nomes para um mesmo lugar? Vem o pensamento e a dúvida condensa-se em muitas outras. Seria o beleléu um lugar, de fato? Existente num plano físico, estruturado pelas grandezas da altura, largura, profundidade e volume? O certo é que, numa rápida enquete, ninguém sabe exatamente onde fica o beleléu. Cada um tem uma resposta diferente. Cada um tem seu próprio beleléu, conforme a provisão de astúcia imaginativa com que cada qual foi presenteado.
O beleléu é um vácuo no espaço e no espírito. Uma espécie de limbo onde habitam coisas boas e ruins. Um purgatório da mente para eximir o homem da culpa em não saber os lugares devidos das coisas. Um reino ordenado pelas desordens humanas. “Onde foram parar meus malditos óculos de leitura?”. “Cara, foi pro beleléu, esquece!”. O beleléu é uma bolha no infinito. Ao mesmo tempo que existe, também inexiste e se desfaz sem ao menos ser feito. O beleléu, como lugar genérico, é um mundo paralelo criado para receber tudo o que parece fugir à capacidade de armazenamento do mundo real. É a válvula de escape, a desculpa esfarrapada, o lugar sem-fim, o desespero frente ao problema sem solução. Manda tudo pro beleléu e está resolvido!
O beleléu pode ser a lata de lixo ou o lixão da cidade. Pode ser o final da rua, a casa de um amigo lá no Quiriri, aquele espaço estranho lá embaixo da cama, aquela pasta no computador onde você esconde seus arquivos proibidos, o esgoto do banheiro, o ralo da pia, o porão da casa, aquele “puxadinho” cheio de tranqueiras lá no fundo do terreno... Se todas as coisas que já foram pro beleléu fossem devolvidas e colocadas na frente de sua casa, você não teria mais casa. Mas nunca se ouve dizer que algo “veio do beleléu”. Parece uma via de mão única. Nada volta, pois deve haver sempre vagas disponíveis nos quarteirões do beleléu. Pode parecer estranho, mas o beleléu é igual coração de mãe.
É interessante notar: dizer que o namoro foi para o beleléu é diferente de dizer que a Barbie foi parar no beleléu. No primeiro caso, temos algo que acaba, assim, como um sopro, um suspiro, uma tosse. Não há continuidade, a coisa simplesmente se esvai. No outro, sabe-se que o problema só acaba de começar. A perda de um objeto gera longas discussões familiares e a necessidade de novas economias. Ninguém se lembra de um namoro casual com fim melancólico. Mas a Gabriela não esquece até hoje o dia em que perdeu sua (primeira) Barbie. Apanhou do pai.
Embora o beleléu possa ser um lugar qualquer no espaço, é comum a idéia de que é um lugar ruim. O Inferno, o Buraco Negro, a Caverna do Dragão, o Labirinto do Fauno, a Biblioteca de Babel, o Cu do Judas. As metáforas podem ser muitas. Mas não se deve desprezar um mundo só porque o desconhecemos. Além do mais, se as coisas e as pessoas que vão para o beleléu nunca voltam, é porque algo de bom deve ter por lá. Por outro lado, é alto o índice de professores de matemática, juízes de futebol, políticos, sogras e operadores de telemarketing que são mandados para aquele lugar. Se você for, não ande pela periferia e não fale com estranhos, portanto!
Imaginário ou real, o beleléu não pode ser ignorado. Se fosse Pasárgada, eu já estava lá. Se fosse o Planeta dos Macacos, quem você mandaria?

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