sexta-feira, 25 de julho de 2008

O emigrante e os imigrantes

Tiago Santos


Combinamos de ir ao teatro uma amiga e eu, e, por isso, embarcávamos em um carro vermelho. “Espera, esse banco tem um segredo”, foi que disse nosso carona quando a colega tentou levantar o assento. Como quem sabe os mistérios que envolvem a caranga, entrou para dar jeito no banco e voltou com um punhado de papeizinhos miúdos e coloridos, quase mágica. “Vocês querem estes convites aqui? Ofereci para meus amigos, mas nenhum se interessou”. Havia pelo menos três convites pra cada uma das noites da semana de espetáculos do Cena5, o festival de teatro que acontecia na cidade. Dividi mais ou menos a metade com minha companheira. “Pronto. Podem entrar”, ele disse para nós. “Você primeiro, quero ficar na frente”, eu disse para ela. Ela riu e resmungou qualquer coisa que não ouvi, mas entrou.

Sentei no banco da frente, com medo de pisar em cima de qualquer coisa que brilhava no chão, no tapete de borracha. Parecia a capa de um CD, mas era só um pacote plástico. “Desculpa a bagunça”, ele disse. “Capaz!”, eu disse, por educação. Borges de Garuva, fomentador de projetos do Ielusc, contou brevemente sua história dirigindo em direção ao Teatro Juarez Machado. Antes de Joinville, morava em Curitiba onde aprendeu a trabalhar somente durante a noite. Na vida boêmia foi comunicador sem ser formado em comunicação, isto fez questão de deixar bastante claro. Veio para cá fazer propaganda para a fundição Tupy, chamando pessoas de outros lugares para trabalhar na próspera e industrial cidade catarinense. Ele dizia isso como quem constata coincidências. “Eu fiz parte disso. Aqueles outdoors horríveis. Era pra isso que eles me contrataram: chamar mão-de-obra barata pra se foder nesta cidade”. Ele não disse isso, mas foi como se tivesse dito.

Pareceu-me que tinha tido uma vida mais produtiva fora de Joinville. Como se ele fosse feliz outrora, mas não agora. Em certa altura, errou a entrada e deu uma voltinha estúpida em um cruzamento movimentado. “Estou indo pra casa”, ele disse, rindo. Eu ri também. E foi assim, chegando no pátio do Centreventos.

Nos enrolamos um pouco e entramos no suntuoso Juarez Machado. No saguão vários grupinhos de duas ou três pessoas conversavam qualquer coisa, e bem no meio, em uma espécie de sofá circular, estava sentado um rapaz de boné tocando violão. Um homem mais velho o acompanhava, no lado, de olhos fechados. Passei por eles, abanei um cumprimento com a cabeça enquanto ouvia acordes que me soavam desafinados. Um sorriso simpático saía da boca do violeiro. Entramos, ela e eu, no teatro, cumprimentei uns poucos conhecidos e a convenci a sentar mais para o canto, na frente. Aceitou e fomos. Falava demais, e tive medo que mesmo depois que começasse a peça, continuasse falando. Comentei: “Depois que o sinal tocar três vezes seguidas, a peça começa”. Enfim, se aquietou.

“Migrantes, uma peça bem joinvilense”, ouviria depois dizer de bocas múltiplas. Uma história de pessoas cujo destino apontou-lhes um rio sujo e a promessa de emprego. Paranaenses, paulistas, mineiros e gaúchos, todos eles enredos da peça, todos eles empregados da vida. “Começa hoje mesmo!” dizia o velho Ruy, ao recém-chegado José Manoel de nome tão comprido quanto seu antebraço, personagens da peça, e a história dos imigrantes se desenrolava com um humor leve. Para Borges, leve demais. Foi o que ele nos disse ainda no carro. Ele já tinha visto a peça. Concordei com ele. Porém, havia momentos interessantes. Em certa altura, a casa de um dos personagens literalmente caía, e não se sabia se tínhamos que rir ou permanecer quietos frente a uma situação tão difícil. A atuação dos atores quase fez com a platéia subisse ao palco e participasse da peça, como que hipnotizada pela nostalgia da lembrança. Tudo era Joinville. Os sotaques caricaturizados na fala dos artistas, a bicicleta que rodava de um lado pro outro... O choro de três semanas da paulista que não se acostumava com a antipatia do povo da cidade. A criança que imaginava: “Onde será que os joinvilenses escondem seus livros?”, e a descoberta, depois de crescida: “Ah, não escondem livros. Eles simplesmente não os lêem”. Tudo era Joinville.

Durante a peça, os atores deram fala a alguns do público para que contassem suas próprias histórias. Perguntaram a minha parceira, ela disse: “É igualzinho, até hoje meu pai reclama da padaria”. Na peça uma personagem reclamava da padaria. Outra entrevistada disse: “Eu discordo de tudo que foi dito sobre os joinvilenses até agora. Morei um tempo em Curitiba e lá o povo é muito mais fechado. Adoro meus amigos daqui”. E foi assim, até a hora em que resolveram, enfim, continuar a peça.

A peça acabou. Várias perguntas foram formuladas, - “Qual sua mensagem para as crianças?”, era uma delas – algumas respondidas, outras não, murmurinho. Meus ouvidos atentos. Estava presente na platéia o paulista Antônio do Vale, crítico, ator, dramaturgo, escritor e militante de longa data – um destes que fugiu da DOPS durante a ditadura e tudo o mais. “O teatro de Joinville precisa transcender suas fronteiras. Fazer teatro não somente para os próprios joinvilenses, mas para os vizinhos, para gente de fora”, criticou. “A peça é boa, mas falta trabalhar com alguns elementos para que seja mais universal. Por exemplo, as piadas sobre palavrinhas que se usam na região, foi alguma coisa que não entendi direito, então não ri, não achei graça. Isso pode ser problemático, até certo ponto”.

Saímos do teatro. Já estávamos sob céu escuro quando e percebi que a noite não tinha acabado, ainda. Havia algo a ser feito, ainda. Perguntas, perguntas e perguntas, ainda. “Vai para o debate, vai!”, ela disse. Eu fui. Precisava perguntar alguma coisa, ou qualquer coisa, talvez. Inquirir algo a alguém, qualquer algo e qualquer alguém. Cheguei na porta dos fundos, passando o saguão onde se juntou gente uma hora antes e o violeiro tocava. Dobrei uma esquina e me deparei com um salão vazio de janelas retas e teto baixo. O círculo de pessoas, que não ocupava um quinto do lugar, estava pronto e conversava entre si, no canto. Entrei junto com uma moça careca, alta e encorpada que me perguntou as horas. “Quinze pras dez”, eu disse. “Obrigada. Estamos atrasados”, ela disse. Sentamos fora do círculo. “Você faz jornalismo?” ela disse, sussurrando. Balancei a cabeça afirmativamente. “Em que ano estás?”, ela disse. “Terceiro”, eu disse. E olhamos pra frente.

O debate era, na verdade, as constatações e observações feitas por Do Vale, o crítico, a respeito da peça. A maioria das pessoas presentes somente permaneceu em silêncio. Algumas deram um depoimento emocionado, o que arrancou alguns sorrisinhos de compaixão de Silvestre Ferreira, diretor da peça e coordenador do Dionísios Teatro, grupo que a apresentou. “Tem muita gente com vontade de fazer teatro aqui em Joiville. O que falta são diretores capacitados para orientar esse pessoal”, ele disse. Do Vale retrucou: “Isso acontece no país inteiro. De uma maneira geral, faltam diretores capacitados e sobram pessoas com vontade”. A minha pergunta, direcionada a Silvestre, era sobre o momento, na peça, em que um dos atores catava uma câmera de vídeo do chão e enquadrava os outros, que contavam histórias de imigrantes joinvilenses. Por que misturar teatro e vídeo? “Nós fizemos isso em outras peças também. Dá um efeito interessante”, ele disse. “Se desta cena vocês não se voltassem ao público e interagissem com ele, este efeito não teria o menor cabimento”, retrucou Do Vale, que dizia sempre coisas sensatas, e quando ele falava todos permaneciam em um silêncio respeitoso, diferente do convencional.

Saí do debate. Crianças berravam no corredor, querendo ir embora. Cumprimentei as mães e o guarda, que me pareceu singularmente simpático. Nos fundos do Centreventos, peguei a Orestes Guimarães em direção ao centro. Apesar da hora, encontrei duas senhoras passeando com seus cães com pêlos bem podados. Uma tinha um Poodle e a outra segurava um Chow-Chow pela coleira. Olhei para o alto, os edifícios – “Condomínio Residencial Juarez Machado”, o mesmo nome do teatro onde estava sentado há uma hora atrás. Alguns adolescentes bebiam cerveja, sentados na beira da calçada. Não tinha encontrado nenhum mendigo naquela noite. “Migrantes...”, me veio à cabeça, “Quanto concreto, sólido e seguro. Quantos porquês silenciam a esta hora da noite. Quanta gente...”. Estava frio, queria chegar em casa logo.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Travestis batem boca em ponto da Dona Francisca

Felipe Silveira

Dois travestis trocaram insultos na noite de terça-feira, 21 de julho, e por pouco não chegaram à agressão física. A briga ocorreu por causa de uma dívida. "Eu quero meu dinheiro, sua puta", gritava a loura mais baixa. A loura mais alta evitava a confusão - tinha medo. A clima esquentou quando a que ameaçava buscou uma peixeira com cerca de 50 cm de lâmina no carro e ameaçou: "Eu vou cortar seu pinto".
Faltavam dez minutos para as dez horas (da noite) quando a discussão começou em tom amistoso. Cinco profissionais do sexo conversavam ao lado do antigo fórum, sendo que quatro delas pareciam estar cientes do que estava por vir. De repente, algo foi revelado e a encrenca tava feita. Ela, que antes falava com mais empolgação e alegria, agora exigia explicações - e dinheiro. A baixinha encarnada avançou sobre loura alta e foi contida por uma das três morenas. Com medo, a agredida atravessou a rua.
"Tu não vai fugir", esbravejava. "Eu quero o meu dinheiro, eu vou te matar".
Neste momento, com a possibilidade de fuga (a loura alta havia tirado os sapatos para correr), a loura baixa e atarracada correu para carro, um Renault Megane, e pegou a peixeira no banco traseiro. Foi apavorador para as amigas que tentavam acalmá-las e principalmente para a que estava sendo ameaçada.
"Eu pago! Eu pago!"
Uma das morenas convenceu a que estava armada a desistir do possível crime. Mas o bate-boca continuou. A mais nervosa gritava: "Eu disse que ia voltar e voltei. Agora eu quero meu ponto e meu dinheiro". Em seguida ela atravessou a rua para "conversar" mais de perto com a endividada, com a morena pacífica sempre no encalço.
Sempre a dois passos de distância, aquela que estava com mais medo se afastava à medida que a credora se aproximava. Nesse ritmo e depois de algumas ameaças que só podiam ser ouvidas a palmos de distância, a loura atarracada desistiu e voltou para o carro com as outras duas morenas. Foram embora pela Princesa Izabel.
Depois de ser consolada pela morena pacifista, a loura ameaçada foi embora pela rua que desemboca na Av. Beira Rio. A morena voltou e viu que estava sem carona. Ligou para alguém e ficou esperando.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Quebra-cabeças noturnos

Vanessa Bencz
Entrego a cabeça ao travesseiro e a anestesia geral percorre a minha pele, meus músculos e meu sangue. Borboletas brancas voam duzentos metros rasos – dos meus pés ao último girassol do meu mais alto sonho. Sonhar é gostar muito de flores, giz de cera e cachecóis.

Adoro sonhar com manhãs ensolaradas e acordar com gosto de hortelã na língua; em dias assim o meu vocabulário é mais doce. Já me aconteceu de sonhar com um céu infinito e acordar rezando. Logo eu, ateísta enquanto de olhos abertos! Fecho os olhos e Nossa Senhora Aparecida desce até mim, faz crochê de estrelas e sussurra coisas que não entendo entre as luzes da consciência, apenas na incerteza do mar do sonho.

Simples assim: entrego a cabeça à fronha florida e de repente as margaridas podem ser obscuras. Certa vez, sonhei que o meu irmão caçula morrera. Acordei com o travesseiro inundado de lágrimas, as margaridas podres por causa do sal. Desde então, dou cobertores amarelos para ele no Natal. O sabor do trevo de três folhas esmagado volta à minha boca em todos os dois de novembro.

Já cheguei a sonhar com a minha própria morte. Não sei ao certo; acho que morri com uma apunhalada indolor nas costas. Enterrada sob edredons, ressuscitei numa quinta-feira às 14h38, com ressaca de algodão doce, rezando o terço nas minhas tranças.

Todas as vezes que rendo minha cabeça à primavera do travesseiro, peço a mim mesma que o tema da maré de sonhos mude as minhas noites durante toda a vida. Infinito, dê-me hoje um sonho incoerente. Então saberei que amanhã acordarei esclarecida.

Mundo, jogue sobre a minha cabeça toda a sua loucura e todos os simulacros noturnos, pois devo minha maturidade aos sonhos que tive em menina. Os sonhos que terei agora construirão o balanço para a minha velhice amanhã. Haverá um dia em que haverá uma noite em que o meu mundo tomará um outro rumo, e a partir daí ele será oceânico, claro e eterno, assim como a minha vida, enquanto de olhos abertos.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Ronaldo exemplo?

Alexandre José
Certo dia numa aula de Geografia um professor fez a seguinte pergunta: por que no Brasil os jogadores de futebol são tidos como ídolos. Ele criticava essa postura do povo brasileiro, e também dizia que para ele era melhor torcer pelo Marcos Pontes. Marcos Pontes, para quem não sabe, é o primeiro astronauta brasileiro. Meu professor dizia que esse homem merece respeito, estudou para chegar aonde chegou. Enquanto um jogador de futebol geralmente não tem estudo e nesse país é mais reconhecido do que qualquer outro profissional.
Esse questionamento levo até hoje guardado em minha memória. E mas do que nunca entendo os argumentos do meu antigo professor. Mas ele sabe tanto quanto eu que o Brasil é o pais do futebol, e nada mais justo essa idolatraria por parte da mídia e das pessoas em geral. E é a mídia que propaga os deuses do futebol, nos deixa perto dos “heróis brasileiros”. Transforma Romário em gênio, Ronaldinho Gaúcho em estrela e Ronaldo Nazário em Fenômeno.
Aliás, Ronaldo, o fenômeno, jogador chave nas últimas conquistas do Brasil sofre agora não só com a má-fase, mas com vigilância 24 horas pela mídia. O jogador que está na fase terminal da carreira vem sendo perseguido, em Ibiza, na Espanha por milhares de fotógrafos. Estes com muito êxito têm garantido boas fotos, a mais cruel mostra Ronaldo fumando. Um belo exemplo de esportista. Exemplo de pessoa, que através do esporte pode ser ídolo de muitas crianças. E creio eu na existência de vários pequeninos espalhados pelo Brasil e no mundo, que um dia sonham ser igual ao Ronaldo. Eu não quero e nem vou pensar numa criança tendo esse jogador como ídolo. Eu acho que a criançada tem de ter os pais como exemplo de vida, independente de como eles sejam.
Parece moralista demais, não é. Eu sou apaixonado por futebol, mas não admito nem que meus irmãos olhem um jogador como ídolo. Muito menos Ronaldo. Não digo que não tenham jogadores exemplos, existem muitos, mas prefiro vê-los só como jogadores, nada mais que isso.


Foto:Globo.com

domingo, 13 de julho de 2008

Benvindo à vaga

Sidney Azevedo e Luiza Martin

Cuidado!Este poema (Pô Ema!), criado em condições contraproducentes - através dos tediosos momentos de troca de mensagens - intercala vês diversos e vistas improváveis de Luiza Martin e Sidney Azevedo. Vê tu!, pois, a violência da letra, ao vago banco do ônibus vazio...



Benvindo à vaga

V. de Vingança.
Vingativa e vindoura.
Venenosa. Venenoso.
De violentas ventosas.
De vagarosidade vadia.
Na via do vinho de Veneza.
Virando velha sem valentia.
Vulto viscoso ao passar do vento.
Ventando vazia.
Vitral volúvel sem vida.
Velada em toda volta.
Navio visto ao invisível.
Na várzea vestida de avareza.
Vaso inventado do verde.
Avermelhado de raiva.
Vindos os versos inversos vergonhosos.
Envaidecidos e vistosos a varar veludos.
As vespas velam os véis das noivas.
Vultuosos voltados ao ventre e ao viril.
Lavram varais e varas vencedoras...
Envaidecidas, violam o vácuo e o vago.
Vaias envolvem o vasto viveiro.
Elevam os veleiros-lençóis para esvaziar vagalhões.
Vergel vergastado, invenção de volúpias inverossímeis.

sábado, 12 de julho de 2008

Alvair Alves Ferreira: 14 anos “bandeirando”

Jean Carlos Kienietzsche

Rio Negrinho – Ao contrário do que algumas pessoas podem pensar Alvair Alves Ferreira (53 anos) não é ninguém famoso, nunca trabalhou como auxiliar de arbitragem e sequer conheceu de perto a mais famosa bandeirinha do Brasil, Ana Paula de Oliveira. Muito pelo contrário, Ferreira não é desse tipo de bandeirinha, mas daquele que tem a difícil missão de controlar o trânsito nas obras pelas rodovias federais de todo o país. Munido do tradicional traje laranja, chapéu e a bandeira vermelha em punho, é ele quem pára o trânsito quando as obras numa determinada rodovia exigem o trânsito em meia pista.
Trabalho fácil? Não é do que se pode chamar o serviço de Alvair. Seja sob sol a pique ou chuva no peito, o bandeirinha tem de continuar em seu posto, caso as obras ocorram. Para Alvair, um dos integrantes do grupo que trabalhou na BR 280 na última semana, esse trabalho começou há 14 anos. De operador de máquinas numa empresa de móveis, seguiu para a empreiteira Mafrense. Logo que entrou, num dos primeiros trabalhos, assim como ele, o bandeirinha na ocasião também era novo. Era um dia de chuva e o bandeirinha largou o posto, restando ao encarregado deixar Alvair no comando do controle de tráfego. De lá para cá, são 168 meses de muito trabalho e com apenas uma batida registrada do seu lado da pista.
Depois da única colisão do seu lado de bandeiragem, o trabalhador tomou mais cuidado e nunca mais aconteceu algo parecido. Ele conta que hoje em dia está tudo muito mais fácil com os rádios ou walk tolkies para comunicação entre os dois bandeirinhas que ficam nas pontas da parte da rodovia em obras. Houve tempos em que o bandeirinha entregava a bandeira para um motorista, o qual se comprometia a devolvê-la ao passar pelo trabalhador no ponto de parada de trânsito.
Numa ocasião, Alvair entregou a bandeira para o motorista de um caminhão da empresa Perdigão, isso numa terça-feira, mas o motorista não devolveu o tão importante objeto. Na sexta-feira seguinte, o condutor de um veículo jogou uma bandeirinha para Alvair e ele liberou a fila, tamanha a confusão armada quando os veículos se encontraram frente à frente. Acidentes não foram registrados naquele dia, mas a bronca do encarregado sobrou para o lado de Alvair. Depois de pensar por um instante, ele lembrou que só poderia ter sido o motorista da Perdigão. “É muita responsabilidade ficar na bandeiragem, se alguém fura o bloqueio e acontece alguma merda lá no meio sobra pra gente”, comenta.
Amizades e complicações
Dias antes de trabalharem na BR 280, a equipe estava na BR 116, em Mafra. Lá estava Alvair fazendo seu trabalho normalmente quando o motorista de um caminhão parou o veículo e ficou reclamando, pois estava com pressa e xingou o bandeirinha que retrucou com o mesmo palavrão. Irritado, o caminhoneiro desceu do veículo e foi de punho cerrado para cima do trabalhador da Mafrense, o qual se defendeu a pontapés. Logo os companheiros de trabalho chegaram para acudi-lo, enquanto o caminhoneiro retornava para a carreta que dirigia e ali ficou parado por cerca de duas horas. Vingança de Alvair? Nada. Quando o caminhoneiro desligou o caminhão, uma pane mecânica deixou o veículo parado, sem sequer dar sinal de funcionamento. “Foi bem feito”, disse outro funcionário que presenciou a cena, mas preferiu não se identificar por ser um “simples rasteleiro”, como ele próprio colocou.
O “vovô” da equipe conta ainda ter várias vantagens na sua função. Uma delas são as amizades criadas. “Numa semana você fica conhecendo metade da cidade”, brinca. Apesar de preferir permanecer no posto, ao lado da bandeira, atende quando é chamado por algum motorista, seja para prestar alguma informação sobre as obras, trajetos, quilometragem restante para se chegar a determinado destino, ou, simplesmente, jogar conversa fora. Mas ele não se engana, sabe que um bom papo, às vezes, pode atrapalhar o trabalho. “Já aconteceu de estar conversando com alguém e o outro bandeirinha avisar da passagem do último carro para eu liberar aqui e esse último passar e eu não lembrar. Daí tem que perguntar se ele já mandou o último e ouvir: ‘Esse já deve estar em Mafra agora’”, relata.
Mesmo assim, gosta de fazer amizades, até porque sempre acaba banhando uma fruta ou algo assim. E foi dessa maneira que conheceu na manhã da última sexta-feira os motociclistas do Moto Clube Irados do Asfalto, de Ponta Grossa/ PR. Laroca, Sérgio, Panzarini e Pupo tinham como destino o quênion de Itambézinho, no rio Grande do Sul.
Salário
Mesmo com as dificuldades de se trabalhar sob sol ou chuva, seja dia útil ou final de semana, Alvair garante valer a pena, mas que o bandeirinha tem de ter paciência, ser bastante calmo e passar por um treinamento. O próprio encarregado da obra, de nome Gilmar, garantiu que, se não tiver vocação para a coisa, “o cara fica um ou dois dias e pede a conta”.
Além do salário, os trabalhadores ganham almoço pago pela empresa junto do restaurante mais próximo às obras, uma cesta básica de R$ 140,00 todo mês e insalubridade. A segurança também é valorizada pela Mafrense que cede óculos de sol, protetor solar, protetor auricular e máscara para quem trabalha mais perto do piche e produtos químicos, como o bombeiro, cargo atribuído ao funcionário que joga óleo no rolo pneu. Essa operação evita do piche ficar grudado na máquina.
Ainda sobre o salário, Alvair completa: “Um servente tira de R$ 900,00 a R$ 1,2 mil”. A equipe composta pelo bandeirinha tem na sua formação mais três rasteleiros, um operador de acabadora, um operador de rolo chapa, um operador de rolo pneu, o encarregado, um bombeiro e outros três bandeirinhas, além de Alvair. Para cada cargo, um salário diferente. As obras terminam no trecho da BR 280 que corta Rio Negrinho, mas o trabalho de Alvair e seus companheiros continua por outras rodovias federais, em outros municípios e ele continua parando o trânsito com seu tradicional traje laranja, chapéu, pois não pode usar óculos de sol devido um problema de visão, o corpo rechonchudo em seu cerca de 1,70m de altura, rosto redondo, cabelos brancos e barba por fazer. Tudo para chegar em casa, no município de Mafra e rever a esposa trazendo o merecido salário e o suor de mais um dia de trabalho.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Digressões sobre um não-lugar

João Batista
Uma dúvida evapora-se à mente, vinda de um lugar obscuro e desconhecido: um reino de incertezas, certamente. Onde fica, afinal, o beleléu?
Será que é lá na puta-que-pariu? Na casa do caralho? Onde o Judas perdeu as botas? Lá na caixa-prego? Perto do quinto dos inferno? Seriam diferentes nomes para um mesmo lugar? Vem o pensamento e a dúvida condensa-se em muitas outras. Seria o beleléu um lugar, de fato? Existente num plano físico, estruturado pelas grandezas da altura, largura, profundidade e volume? O certo é que, numa rápida enquete, ninguém sabe exatamente onde fica o beleléu. Cada um tem uma resposta diferente. Cada um tem seu próprio beleléu, conforme a provisão de astúcia imaginativa com que cada qual foi presenteado.
O beleléu é um vácuo no espaço e no espírito. Uma espécie de limbo onde habitam coisas boas e ruins. Um purgatório da mente para eximir o homem da culpa em não saber os lugares devidos das coisas. Um reino ordenado pelas desordens humanas. “Onde foram parar meus malditos óculos de leitura?”. “Cara, foi pro beleléu, esquece!”. O beleléu é uma bolha no infinito. Ao mesmo tempo que existe, também inexiste e se desfaz sem ao menos ser feito. O beleléu, como lugar genérico, é um mundo paralelo criado para receber tudo o que parece fugir à capacidade de armazenamento do mundo real. É a válvula de escape, a desculpa esfarrapada, o lugar sem-fim, o desespero frente ao problema sem solução. Manda tudo pro beleléu e está resolvido!
O beleléu pode ser a lata de lixo ou o lixão da cidade. Pode ser o final da rua, a casa de um amigo lá no Quiriri, aquele espaço estranho lá embaixo da cama, aquela pasta no computador onde você esconde seus arquivos proibidos, o esgoto do banheiro, o ralo da pia, o porão da casa, aquele “puxadinho” cheio de tranqueiras lá no fundo do terreno... Se todas as coisas que já foram pro beleléu fossem devolvidas e colocadas na frente de sua casa, você não teria mais casa. Mas nunca se ouve dizer que algo “veio do beleléu”. Parece uma via de mão única. Nada volta, pois deve haver sempre vagas disponíveis nos quarteirões do beleléu. Pode parecer estranho, mas o beleléu é igual coração de mãe.
É interessante notar: dizer que o namoro foi para o beleléu é diferente de dizer que a Barbie foi parar no beleléu. No primeiro caso, temos algo que acaba, assim, como um sopro, um suspiro, uma tosse. Não há continuidade, a coisa simplesmente se esvai. No outro, sabe-se que o problema só acaba de começar. A perda de um objeto gera longas discussões familiares e a necessidade de novas economias. Ninguém se lembra de um namoro casual com fim melancólico. Mas a Gabriela não esquece até hoje o dia em que perdeu sua (primeira) Barbie. Apanhou do pai.
Embora o beleléu possa ser um lugar qualquer no espaço, é comum a idéia de que é um lugar ruim. O Inferno, o Buraco Negro, a Caverna do Dragão, o Labirinto do Fauno, a Biblioteca de Babel, o Cu do Judas. As metáforas podem ser muitas. Mas não se deve desprezar um mundo só porque o desconhecemos. Além do mais, se as coisas e as pessoas que vão para o beleléu nunca voltam, é porque algo de bom deve ter por lá. Por outro lado, é alto o índice de professores de matemática, juízes de futebol, políticos, sogras e operadores de telemarketing que são mandados para aquele lugar. Se você for, não ande pela periferia e não fale com estranhos, portanto!
Imaginário ou real, o beleléu não pode ser ignorado. Se fosse Pasárgada, eu já estava lá. Se fosse o Planeta dos Macacos, quem você mandaria?

Roubo de computadores

Bom, este foi o primeiro
texto que eu fiz para a disciplina
de redação 4, que tive com Sílvio Melatti.
Eu não tinha pauta e
pensei, pensei, pensei...
até que não tive mais tempo e entreguei isso aí.
Assim como minha
outra matéria publicada aqui,
percebe-se que minha apuração é
lixo, mas compartilhar o texto é parte do aprendizado.


"Por que não roubar?"



Onze de fevereiro. Primeiro dia de aula na Associação Educacional Luterana de Santa Catarina (Bom Jesus/Ielusc). O funcionário Eduardo Baú tranca o laboratório 3, como faz todas as noites, e vai para casa. Na manhã seguinte, o computador da mesa do professor não estava mais lá – fora furtado. Mais de mil pessoas diferentes circulam pelo campi todos os dias. Qualquer uma poderia ter cometido o crime, mas apenas um o fez. A peça entra para a série de equipamentos eletrônicos afanados sistematicamente desde 2006.
A pena por furto – de acordo com o artigo 155 do código penal – é reclusão de um a quatro anos, além de multa. Se o objeto for de pequeno valor, ocorre diminuição do castigo. Porém, computadores não são considerados peças de valor pífio.
O castigo é um dos meios encontrados pela sociedade para punir e coibir a apropriação de objeto alheio. Contudo, praticar um furto em determinadas ocasiões é tão fácil e lucrativo que a punição nem chega a ser cogitada pelo criminoso. Na Biblioteca Castro Alves (da instituição), por exemplo, sair com livros sem registrá-los não demanda esforço algum. Em certos casos acontece sem intenção. “Várias vezes eu só lembrei de estar em posse do livro quando já estava fora da biblioteca”, conta o professor de redação Sílvio Melatti.
A equipe desta reportagem fez o teste. Entrou na biblioteca, deixou a mochila no guarda-volumes e levou consigo um caderno. Pegou um livro (O Visconde Partido ao meio, de Ítalo Calvino), colocou-o sobre o caderno e saiu. Mais simples que roubar doce de criança, pois a criança chora. A estudante do 5° período Carolina Wanzuita corrobora: “Se eu quisesse, seria muito fácil, já que às vezes a gente tem que esperar alguém para nos atender. É nessa hora que dá pra sair com o livro”.
A estudante Ana Carolina da Luz atenta para outro tipo de furto possível: o roubo de coisas pessoais. “Eu, por exemplo, sempre deixo minha mala na sala no intervalo, não é difícil alguém entrar e mexer nela, pegar o celular ou alguma outra coisa”, argumenta. No entanto, reclamações sobre isso não existem. Ou não acontece a contravenção ou o lesado não se importa.
Mas se é tão fácil roubar, se as oportunidades para cometer o crime surgem todos os dias, porque a maioria das pessoas não roubam?
De acordo com Maria Aparecida Perez Luzzi, psicologa e chefe do departamento de apoio ao estudante do Ielusc, as pessoas não roubam porque incorporaram valores de honestidade e respeito pelo próximo. Mas ela afirma que o principal motivo é a punição.
“Para viver em sociedade, os homens criaram regras. Quem não obedece as regras é castigado. A igreja, quando fala de céu e inferno, está ameaçando o homem”, ilustra. A psicologa fundamenta a maneira como o homem é submetido a regras: “Na infância, a criança é punida de várias formas. Pode ser através de castigo físico, privação da liberdade, mas, principalmente, o que realmente funciona é a privação afetiva. Quando cresce, o homem já não precisa mais do pai e da mãe, mas precisa dos colegas, da namorada, do emprego, enfim, precisa ser aceito”.
Para os alunos Leonel Camasão, 7° período, e Francine Hellmann, do 5°, a culpa é do sistema. “Se não houvesse propriedade privada, não haveria roubo”, afirma Camasão. Já para Francine, só não há mais roubos porque existe cuidado e apreço pelo bem coletivo. “A biblioteca é um caso”, exemplifica, “eu me sentiria muito mal adquirindo algo que é de todos para mim”.
Indagados sobre o motivo pelo qual não roubam, a maioria dos estudantes concorda: porque é errado. “Nós fomos adestrados para não fazer isso”, explica Francine. Ou “Porque a minha moral não deixa”, explica Ana Carolina da Luz, do 5ª fase.
De acordo com o filósofo Immanuel Kant, a moral é a imposição de normas e deveres a si mesmo.(Quem diz isso sobre Kant é socióloga Marilena Chauí). O que Ana Carolina afirma, portanto, é que ela estabeleceu regras de conduta e ato de se apropriar de um objeto alheio, inflige suas regras.
“Eu não roubo porque não preciso”. É dessa forma que uma estudante do primeiro semestre responde a questão-título. Ela retorna a um ponto suscitado pela psicologa Maria Luzzi: “Até que ponto roubar é errado? Um pai que pega uma galinha para dar de comer à família é imoral? Ou um jovem que furta para conseguir alimentar o vício em drogas é criminoso? E quem afana um cinzeiro na balada?”
Para o filósofo Voltaire, a moral é uma questão relativa: “Para que uma sociedade subsista, é preciso que haja leis (...), a maioria dessas leis parecem arbitrárias, dependem dos interesses, das paixões, das opiniões dos que a inventaram e da natureza do clima onde os homens se reuniram em sociedade” Um exemplo é a lenda de Robin Hood, que tirava dos ricos para dar aos pobres, e por isso era um herói.
Roubando ou não, “todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”, garante a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Ideologia: eu quero uma pra viver


Alexandre José | alexjoseborges@hotmail.com


Refletir...


Ideologia. Para que serve isto. Qual o sentido dessa palavra em nossa vida. No meu caso ainda procuro saber o que. É mais de uma, é uma, ou são várias ideologias. E quais são elas. Esquerda, direita, centrista, humanista. Quais são. Existe uma conjuntura de idéias que nos move? Ou é balela. Sei lá.


Certo dia andando pelo Ielusc quase concebi o sentido de ideologia. Vi duas acadêmicas conversando. Eu como bom ouvinte parei a escutar. As duas conversavam sobre o futuro profissional. Falavam em trabalhar em uma grande empresa. E que o fruto do trabalho nessa empresa seria um carro. E não é qualquer carro. É Peugeot. Este é o sonho das duas.


Eu parei. Usei os poucos neurônios não afetados pelas drogas... Refleti. Isso vale todo esforço de estar numa faculdade. Um Peugeot. O norte de nossa vida pode ser em torno deste. É essa idéia pequena entre milhares dentro do conjunto ideologia que nos faz feliz.


Então vamos pensar a vida através do Peugeot. Vai lá. Oito anos de ensino fundamental, três de médio e quatro de faculdade. No mínimo. Temos vários casos diferentes, é claro, mas vamos pegar o mais banal. O citado acima na segunda frase. Lemos, acordamos cedo, brigamos para não ir à aula. Tudo isso é a vida como estudante. Dá pra vendê-la?


O carro é moeda de troca pelo que sabemos? Tudo o que aprendemos está à venda? Nosso tempo de estudos é isso? Um carro. Não construiremos nada como seres humanos? Deixaremos a sociedade de lado? Muitos deixarão! Poucos continuarão na luta. Alguns com pensamentos voltados às pessoas, outros para um carro. E eu? Não sou hipócrita, sei que todos precisam de um carro. Mas não é ele o sonho da minha vida. Eu quero é mais. Aprender, viver, fazer o bem para todos, até para os inimigos se for possível. Essa é a minha ideologia. Desculpa Cazuza, eu não quero uma ideologia para viver. Eu já a achei.


E Sabe quando um carro será meu sonho? Só se inventarem a máquina que o leva junto na minha morte. Daí talvez seja a principal idéia que me mova. Quem dera São Pedro. Se inventarem a máquina, pode esperar, a gente vai dá várias bandas no céu.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Pô Ema !!!!

Ricardo Wegrzynovski | wricardo@hotmail.com


Pô Ema !!!!

domingo, 6 de julho de 2008

De princesa a baranga em apenas uma noite


Felipe Silveira | felipopovfelps@gmail.com


Deitado na calçada suja e úmida, com a camisa preta – a favorita – molhada de suor e vômito, exalando o odor azedo do líquido estomacal e a fumaça de cigarro, eu via o dia amanhecer, enquanto esperava os amigos que me arrastariam para casa, onde dormiria naquele estado deplorável até a hora que pudesse, evitando acordar e enfrentar o domingo de ressaca brava. À minha frente, descalça e descabelada, uma amiga ligava para o meu pai: "Oi... ele não está passando muito bem... pediu para o senhor buscá-lo". Enquanto ela explicava ao homem sonolento do outro lado da linha que o filho mal andava, os companheiros do bêbado riam e já preparavam a chacota que seria repetida durante a semana.

A história narra uma situação comum de “pós-balada”, expressão usada para definir a saída de festas – casas noturnas, bares, formaturas, bailes e particulares –, quando os “baladeiros” geralmente estão alterados devido à ingestão de bebidas alcoólicas. Sair para dançar, flertar e se divertir faz parte do comportamento social contemporâneo de grande parte da população, sobretudo jovens. A saída, inerente ao evento (pois quem entra tem de sair), sob influência do cansaço somada ao exagero nos doses de bebida, proporciona cenas cômicas, tristes, imbecis e, às vezes, filosóficas. Além dos vexames, outras histórias podem acontecer, felizes como os casamentos em Las Vegas e bem-humorados como café da manhã com os pais; ou trágicas, como acidentes de trânsito, brigas e overdoses e comas alcoólicos.

Em Joinville, cerca de dezoito casas noturnas (Big Bowling, Metro Night Club, Mansão Fashion, Moinho São Paulo, Taberna Music Hall, Old Bar, Ivyx, Dreams, Biero, as choperias Ministro, Expresso, Opa Bier, Biergarten, as Sociedades Floresta, Alvorada, Ginástico e as boates recém-inauguradas Moom e Maze) são conhecidas e movimentam grande público nos finais de semana. Somadas as capacidades de lotação máxima, aproximadamente 40 mil pessoas freqüentam esses lugares em apenas uma noite. Se 10% tiverem uma história para contar, já são quatro mil “causos”. Apesar de não ser mentiroso, esse número sequer se aproxima do exato. Ficaram de fora os bares da rua Visconde de Taunay (o “point” da cidade), uma infinidade de outros bares e prostíbulos, além das festas particulares, formaturas, bailes gauchescos, acampamentos de roqueiros e, sobretudo, as festas de música eletrônica – as famosas raves.

Logicamente, há pessoas que a detestam, mas a vida social noturna é importante no contexto das cidades e na história dos indivíduos, sendo justamente a situação planejada para integrar pessoas. Há opções para todos os tipos: roqueiros, sertanejos, sambistas, rappers e, principalmente, baladeiros (fãs de música pop, prioridade da indústria fonográfica).

Uma boa noite de diversão começa mais cedo para as meninas do que aos rapazes. Arrumar-se é um ritual a parte, “pois não importa a maneira como você vai sair, mas a impressão que vai causar ao chegar”, explica Gabriela Medeiros, 19 anos, pagodeira de carteirinha em São Francisco do Sul. “Eu começo às nove e meia (21h30) quando tenho que sair à meia-noite”, conta, justificando que arrumar o cabelo, fazer a maquiagem e escolher a roupa é um processo que demanda tempo e dedicação. A amiga Lorena Fernandes, conterrânea e de mesma idade, assina embaixo: “Ficar bonita dá trabalho”. Ao que o repórter retruca em pensamento: “Você é linda naturalmente”. Estudante de jornalismo e bastante eclética em termos de diversão noturna – vai do pagode a espetáculos de rock –, a jovem demora de acordo com a ocasião e com o ânimo, mas endossa a opinião de maneira clara e objetiva: “Se tu tá xexelenta, ninguém vai reparar, mas se estiver bonita, a história é outra”.

Em geral, os homens são mais rápidos, pois não precisam se incomodar com blush, rímel, gloss, chapinha, lápis de olho, corretivo, penduricalhos, escova, luzes, esmalte etc. Aliás, nem sabem o que são a maioria desses itens, os quais as mulheres conhecem da mesma forma que os maridos dominam técnicas de martelar e sabem ler uma tabela de bitolas de porcas e parafusos. O também estudante de jornalismo Guilherme Cardoso, freqüentador assíduo de pagode e baladeiro de plantão, comprova: “Escolho uma boa roupa, na qual eu me sinta e, no mínimo, bonito. Mas não demoro muito para escolher, passo um desodorante e um perfuminho básico e pronto. Ah, o cabelo tem que estar na medida certa”.

Ao final da noite, toda a elegância produzida em horas na frente do espelho foi por "álcool" abaixo. Depois de doses de tequila, gim e martini, coquetéis como cuba libre, caipirinha, piña colada, e cervejas a perder de conta, a noção estética já não é mais tão apurada. E a estética em si também não. A estudante de direito Bárbara Fernandes relata alguns casos bastante representativos de pós-balada. “A garota estava toda arrumada, de longueti (vestido longo) e tal, e já tinha bebido bastante. Aí ela foi ao banheiro e voltou com o vestido grudado na calcinha, mostrando a bunda inteira e com um papel higiênico gigante preso na sandália preta de salto fino”, detalha. Para ela, a pior pós-balada é a de formatura: “Acontece cada coisa”.


“Eu não sei como vou ficar, mas sei que vou ficar bêbado”. É com essa certeza que o operário e estudante de jornalismo Alexandre Perger, 19 anos, vai às baladas. Ele afirma ser fraco para a bebida e que cinco cervejas o deixam embriagado. Ele é famoso entre os amigos porque na segunda latinha já está abraçando todo mundo. A colega de curso e balada Carolina Veiga, 18 anos, é um pouquinho mais resistente. “Meu pior porre foi quando tomei quatro tequilas (doses) e umas dez cervejas”, conta. E completa: “Não lembro de mais nada”.

É nessa condição – de percepção distorcida – que surgem as famosas histórias de relacionamentos improváveis. Samir Salomão, 23 anos, ex-baladeiro e com casamento marcado para outubro, conta que um amigo ficou com um travesti depois da quinta cerveja: “Depois que ele viu o tamanho do pomo (de Adão), tudo caiu por terra”. Ele conta também que numa balada de praia em Itapoá uma menina usou lança perfume e desmaiou na brita. “Ela tava dançando na nossa roda”, descreve, “deu uma cheirada bem longa no lança perfume e caiu bem reto pro lado. Foi engraçado pra cacete, parecia um joão bobo que não volta pro lugar”.

Ex-barman do bar Liverpool, Phillip Horn, 19 anos, conta que acontece coisas inacreditáveis na noite. “As pessoas querem ficar bêbadas. A maioria toma cerveja, mas quem tem dinheiro compra uísque. E mulher pede caipirinha, aliás, só mulher toma caipirinha. Vai depender muito do gosto de cada um e da vontade de beber no dia”. Modelo fotográfico, ele revela que recebe várias cantadas, uma delas da mulher de músico, que tinha bem mais idade do que ele. “Ela queria me levar pra casa pra comer chocolate”, lembra a gargalhadas. “Eu iria”, afirma no tempo verbal condicional, para não dizer que amarelou, “mas ela foi embora 15 minutos antes de o bar fechar”.


Quem esperou o bar fechar para ir embora foram os amigos Cléber e D.C (iniciais não-fictícias, a pedido da fonte, que teme ser descoberto pela namorada). “Tiveram que mandar a gente embora”. Eles já haviam tomado uma garrafa de uísque Black Label, outra de vodca e mais 20 latinhas do energético Red Bull, mas não estavam satisfeitos e foram à lanchonete Magrão para beber cerveja. Próximo às seis da manhã, três meninas da mesa ao lado levantaram para ir embora e D.C foi atrás. “Uma entrou no carro, a outra ficou do lado de fora e a terceira foi conversar com um cara; eu não pensei duas vezes e entrei no carro também; comecei a ‘xavecar’ e menina e a agarrei; depois voltei pra beber mais”, detalha, do jeito que a memória deixa. Como se não bastasse entrar no carro alheio e agarrar uma garota, o bêbado correu atrás do automóvel que havia parada no sinaleiro: “Tirei ela do carro e fiquei de novo”. Eu desconfiei da veracidade, mas o amigo Cléber confirma tudo.

Um dos fatores mais relevantes para a existência de tantas histórias de “pós-balada” é o costume de comer depois da noitada. Três lanchonetes se destacam neste cenário: Magrão (no centro), Gordão (zona norte) e Adriano Lanches (zona sul). Esses lugares são especializados em juntar gente bêbada que sai da danceteria “morta da fome”. O prato mais conhecido é a batata frita, ideal para comer em grupo e que são servidas em grande quantidade nos três ambientes citados. Quase todo baladeiro que quer esticar a noite acaba num deles.

Mas para quem está com muita fome e pressa, o lugar ideal é o Cachorro-quente ao lado da loja Magazine Luiza, na Avenida Juscelino Kubitschek. É impressionante como eles são rápidos para atender e servir. Quando não tem ninguém na fila você pode começar a comer em menos de trinta segundos, com fila demora entre dois a três minutos.


De qualquer maneira, todo estado deplorável que uma pessoa pode se encontrar é melhor do que morto entre as ferragens de um carro. A socorrista do Corpo de Bombeiros Voluntários Alessandra de Paula Lisboa conta que acontecem, em média, quinze acidentes de trânsito causados por excesso de bebida durante o final de semana (sexta a sábado). “O pior problema é que o motorista julga estar em condições de dirigir”, afirma. Ela ainda explica que vários acidentes são provocados por pessoas embriagadas que “fecham” outros veículos. “Mas o mais comum são os bêbados que batem em objetos inanimados, como postes, contêineres, muros, caçambas de lixo”, completa.
As possibilidades de voltar para casa sem correr esse risco não são poucas – ônibus, carona, táxi, a pé, e, em último caso, dá para chamar o pai, a mãe, a tia ou o irmão. É aconselhável fazer como a estudante Lorena, que combina com os amigos para um deles não beber quando acha que vai ficar alterada, “mesmo que seja só um pouquinho”.


A etapa pós-balada é uma fonte inesgotável de histórias e quase todo mundo tem uma. Muitas são sem graça e pouco interessantes, outras são para gargalhar e ouvir de joelhos. Têm casos tão absurdos e complexos que quem viveu jamais consegue provar a veracidade. Em geral, a maioria é mal contada, já que o porre prejudica a memória mais recente. São histórias que nunca estamparão a capa do jornal, mas que cada um guarda a sua com carinho. E para encerrar conto a última desta reportagem, que assim como a primeira, também é minha: Amanhecia em Joinville e eu estava na frente de casa com dois amigos e um primo (Nino, Samir e Banha). Ainda sob efeito de uma garrafa de vodca Smirnoff misturada com um litro de Soda e outro de Coca-Cola, nós proseávamos empolgados. Minha mãe apareceu, ainda de pijama, pois acordara devido ao barulho, e disse que estava pondo o café na mesa. Nós fomos comprar pão e durante a refeição cada um descreveu aos meus pais como era interessante a menina que conheceram naquela noite. Sempre que um descrevia a sua respectiva, os outros três explicavam que a moça não era nada daquilo, acusando um ao outro de ter conhecido o capeta de perto.