domingo, 6 de julho de 2008

De princesa a baranga em apenas uma noite


Felipe Silveira | felipopovfelps@gmail.com


Deitado na calçada suja e úmida, com a camisa preta – a favorita – molhada de suor e vômito, exalando o odor azedo do líquido estomacal e a fumaça de cigarro, eu via o dia amanhecer, enquanto esperava os amigos que me arrastariam para casa, onde dormiria naquele estado deplorável até a hora que pudesse, evitando acordar e enfrentar o domingo de ressaca brava. À minha frente, descalça e descabelada, uma amiga ligava para o meu pai: "Oi... ele não está passando muito bem... pediu para o senhor buscá-lo". Enquanto ela explicava ao homem sonolento do outro lado da linha que o filho mal andava, os companheiros do bêbado riam e já preparavam a chacota que seria repetida durante a semana.

A história narra uma situação comum de “pós-balada”, expressão usada para definir a saída de festas – casas noturnas, bares, formaturas, bailes e particulares –, quando os “baladeiros” geralmente estão alterados devido à ingestão de bebidas alcoólicas. Sair para dançar, flertar e se divertir faz parte do comportamento social contemporâneo de grande parte da população, sobretudo jovens. A saída, inerente ao evento (pois quem entra tem de sair), sob influência do cansaço somada ao exagero nos doses de bebida, proporciona cenas cômicas, tristes, imbecis e, às vezes, filosóficas. Além dos vexames, outras histórias podem acontecer, felizes como os casamentos em Las Vegas e bem-humorados como café da manhã com os pais; ou trágicas, como acidentes de trânsito, brigas e overdoses e comas alcoólicos.

Em Joinville, cerca de dezoito casas noturnas (Big Bowling, Metro Night Club, Mansão Fashion, Moinho São Paulo, Taberna Music Hall, Old Bar, Ivyx, Dreams, Biero, as choperias Ministro, Expresso, Opa Bier, Biergarten, as Sociedades Floresta, Alvorada, Ginástico e as boates recém-inauguradas Moom e Maze) são conhecidas e movimentam grande público nos finais de semana. Somadas as capacidades de lotação máxima, aproximadamente 40 mil pessoas freqüentam esses lugares em apenas uma noite. Se 10% tiverem uma história para contar, já são quatro mil “causos”. Apesar de não ser mentiroso, esse número sequer se aproxima do exato. Ficaram de fora os bares da rua Visconde de Taunay (o “point” da cidade), uma infinidade de outros bares e prostíbulos, além das festas particulares, formaturas, bailes gauchescos, acampamentos de roqueiros e, sobretudo, as festas de música eletrônica – as famosas raves.

Logicamente, há pessoas que a detestam, mas a vida social noturna é importante no contexto das cidades e na história dos indivíduos, sendo justamente a situação planejada para integrar pessoas. Há opções para todos os tipos: roqueiros, sertanejos, sambistas, rappers e, principalmente, baladeiros (fãs de música pop, prioridade da indústria fonográfica).

Uma boa noite de diversão começa mais cedo para as meninas do que aos rapazes. Arrumar-se é um ritual a parte, “pois não importa a maneira como você vai sair, mas a impressão que vai causar ao chegar”, explica Gabriela Medeiros, 19 anos, pagodeira de carteirinha em São Francisco do Sul. “Eu começo às nove e meia (21h30) quando tenho que sair à meia-noite”, conta, justificando que arrumar o cabelo, fazer a maquiagem e escolher a roupa é um processo que demanda tempo e dedicação. A amiga Lorena Fernandes, conterrânea e de mesma idade, assina embaixo: “Ficar bonita dá trabalho”. Ao que o repórter retruca em pensamento: “Você é linda naturalmente”. Estudante de jornalismo e bastante eclética em termos de diversão noturna – vai do pagode a espetáculos de rock –, a jovem demora de acordo com a ocasião e com o ânimo, mas endossa a opinião de maneira clara e objetiva: “Se tu tá xexelenta, ninguém vai reparar, mas se estiver bonita, a história é outra”.

Em geral, os homens são mais rápidos, pois não precisam se incomodar com blush, rímel, gloss, chapinha, lápis de olho, corretivo, penduricalhos, escova, luzes, esmalte etc. Aliás, nem sabem o que são a maioria desses itens, os quais as mulheres conhecem da mesma forma que os maridos dominam técnicas de martelar e sabem ler uma tabela de bitolas de porcas e parafusos. O também estudante de jornalismo Guilherme Cardoso, freqüentador assíduo de pagode e baladeiro de plantão, comprova: “Escolho uma boa roupa, na qual eu me sinta e, no mínimo, bonito. Mas não demoro muito para escolher, passo um desodorante e um perfuminho básico e pronto. Ah, o cabelo tem que estar na medida certa”.

Ao final da noite, toda a elegância produzida em horas na frente do espelho foi por "álcool" abaixo. Depois de doses de tequila, gim e martini, coquetéis como cuba libre, caipirinha, piña colada, e cervejas a perder de conta, a noção estética já não é mais tão apurada. E a estética em si também não. A estudante de direito Bárbara Fernandes relata alguns casos bastante representativos de pós-balada. “A garota estava toda arrumada, de longueti (vestido longo) e tal, e já tinha bebido bastante. Aí ela foi ao banheiro e voltou com o vestido grudado na calcinha, mostrando a bunda inteira e com um papel higiênico gigante preso na sandália preta de salto fino”, detalha. Para ela, a pior pós-balada é a de formatura: “Acontece cada coisa”.


“Eu não sei como vou ficar, mas sei que vou ficar bêbado”. É com essa certeza que o operário e estudante de jornalismo Alexandre Perger, 19 anos, vai às baladas. Ele afirma ser fraco para a bebida e que cinco cervejas o deixam embriagado. Ele é famoso entre os amigos porque na segunda latinha já está abraçando todo mundo. A colega de curso e balada Carolina Veiga, 18 anos, é um pouquinho mais resistente. “Meu pior porre foi quando tomei quatro tequilas (doses) e umas dez cervejas”, conta. E completa: “Não lembro de mais nada”.

É nessa condição – de percepção distorcida – que surgem as famosas histórias de relacionamentos improváveis. Samir Salomão, 23 anos, ex-baladeiro e com casamento marcado para outubro, conta que um amigo ficou com um travesti depois da quinta cerveja: “Depois que ele viu o tamanho do pomo (de Adão), tudo caiu por terra”. Ele conta também que numa balada de praia em Itapoá uma menina usou lança perfume e desmaiou na brita. “Ela tava dançando na nossa roda”, descreve, “deu uma cheirada bem longa no lança perfume e caiu bem reto pro lado. Foi engraçado pra cacete, parecia um joão bobo que não volta pro lugar”.

Ex-barman do bar Liverpool, Phillip Horn, 19 anos, conta que acontece coisas inacreditáveis na noite. “As pessoas querem ficar bêbadas. A maioria toma cerveja, mas quem tem dinheiro compra uísque. E mulher pede caipirinha, aliás, só mulher toma caipirinha. Vai depender muito do gosto de cada um e da vontade de beber no dia”. Modelo fotográfico, ele revela que recebe várias cantadas, uma delas da mulher de músico, que tinha bem mais idade do que ele. “Ela queria me levar pra casa pra comer chocolate”, lembra a gargalhadas. “Eu iria”, afirma no tempo verbal condicional, para não dizer que amarelou, “mas ela foi embora 15 minutos antes de o bar fechar”.


Quem esperou o bar fechar para ir embora foram os amigos Cléber e D.C (iniciais não-fictícias, a pedido da fonte, que teme ser descoberto pela namorada). “Tiveram que mandar a gente embora”. Eles já haviam tomado uma garrafa de uísque Black Label, outra de vodca e mais 20 latinhas do energético Red Bull, mas não estavam satisfeitos e foram à lanchonete Magrão para beber cerveja. Próximo às seis da manhã, três meninas da mesa ao lado levantaram para ir embora e D.C foi atrás. “Uma entrou no carro, a outra ficou do lado de fora e a terceira foi conversar com um cara; eu não pensei duas vezes e entrei no carro também; comecei a ‘xavecar’ e menina e a agarrei; depois voltei pra beber mais”, detalha, do jeito que a memória deixa. Como se não bastasse entrar no carro alheio e agarrar uma garota, o bêbado correu atrás do automóvel que havia parada no sinaleiro: “Tirei ela do carro e fiquei de novo”. Eu desconfiei da veracidade, mas o amigo Cléber confirma tudo.

Um dos fatores mais relevantes para a existência de tantas histórias de “pós-balada” é o costume de comer depois da noitada. Três lanchonetes se destacam neste cenário: Magrão (no centro), Gordão (zona norte) e Adriano Lanches (zona sul). Esses lugares são especializados em juntar gente bêbada que sai da danceteria “morta da fome”. O prato mais conhecido é a batata frita, ideal para comer em grupo e que são servidas em grande quantidade nos três ambientes citados. Quase todo baladeiro que quer esticar a noite acaba num deles.

Mas para quem está com muita fome e pressa, o lugar ideal é o Cachorro-quente ao lado da loja Magazine Luiza, na Avenida Juscelino Kubitschek. É impressionante como eles são rápidos para atender e servir. Quando não tem ninguém na fila você pode começar a comer em menos de trinta segundos, com fila demora entre dois a três minutos.


De qualquer maneira, todo estado deplorável que uma pessoa pode se encontrar é melhor do que morto entre as ferragens de um carro. A socorrista do Corpo de Bombeiros Voluntários Alessandra de Paula Lisboa conta que acontecem, em média, quinze acidentes de trânsito causados por excesso de bebida durante o final de semana (sexta a sábado). “O pior problema é que o motorista julga estar em condições de dirigir”, afirma. Ela ainda explica que vários acidentes são provocados por pessoas embriagadas que “fecham” outros veículos. “Mas o mais comum são os bêbados que batem em objetos inanimados, como postes, contêineres, muros, caçambas de lixo”, completa.
As possibilidades de voltar para casa sem correr esse risco não são poucas – ônibus, carona, táxi, a pé, e, em último caso, dá para chamar o pai, a mãe, a tia ou o irmão. É aconselhável fazer como a estudante Lorena, que combina com os amigos para um deles não beber quando acha que vai ficar alterada, “mesmo que seja só um pouquinho”.


A etapa pós-balada é uma fonte inesgotável de histórias e quase todo mundo tem uma. Muitas são sem graça e pouco interessantes, outras são para gargalhar e ouvir de joelhos. Têm casos tão absurdos e complexos que quem viveu jamais consegue provar a veracidade. Em geral, a maioria é mal contada, já que o porre prejudica a memória mais recente. São histórias que nunca estamparão a capa do jornal, mas que cada um guarda a sua com carinho. E para encerrar conto a última desta reportagem, que assim como a primeira, também é minha: Amanhecia em Joinville e eu estava na frente de casa com dois amigos e um primo (Nino, Samir e Banha). Ainda sob efeito de uma garrafa de vodca Smirnoff misturada com um litro de Soda e outro de Coca-Cola, nós proseávamos empolgados. Minha mãe apareceu, ainda de pijama, pois acordara devido ao barulho, e disse que estava pondo o café na mesa. Nós fomos comprar pão e durante a refeição cada um descreveu aos meus pais como era interessante a menina que conheceram naquela noite. Sempre que um descrevia a sua respectiva, os outros três explicavam que a moça não era nada daquilo, acusando um ao outro de ter conhecido o capeta de perto.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nada é a esmo. O blog tinha que começar falando de festas, mulheres e bebidas Isso só resulta a cultura boêmia dos Jornalistas.

Bom texto Felps.

Michels disse...

Adorei o texto e as histórias. Nosso blog tinha que começar assim . hahaha. Que muitas festas e porres aconteca ainda.!
:D